d Livros apps

As Três Mortes de Lucas Andrade

Sinopse

NAQUELE SÁBADO DE JUNHO, ele entrou no carro como um exilado, olhos em baixo, passos arrastados. Depois de meses de angústia, chegara por fim o dia da temida viagem. Era mesmo verdade: ia mudar de casa. Sentou-se sozinho no banco de trás, que era desconfortável, ossudo e quente por causa da napa que já absorvia o sol da manhã. Mas ainda não queria acreditar: pensou em sair, pôs a mão no puxador da porta, sonhou em fugir tal como o condenado que sonha em escapar ao cadafalso, mas os olhos ásperos da avó Eduarda, que estava à porta de casa, mataram essa esperança. Tirou a mão do puxador. Quando o carro arrancou, não olhou para trás, não queria que a avó visse e gozasse com a sua tristeza. Deitou-se no banco; tentou dormir mas não conseguiu. Fez a longa travessia em consciência. Nos bancos da frente, o pai guiava e a mãe tartamudeava canções. À frente deles seguiam duas carrinhas com os seus pertences, móveis, caixas de papelão, a velha televisão a preto e branco, as ferramentas do pai, a máquina de costura da mãe e a sua velha cadeira de estimação. Numa mala de cartão, seguia a sua pequena biblioteca então composta por enciclopédias, dicionários e bandas desenhadas. Esta tralha partilhava o espaço das carrinhas com um sortido de tios e primos, os grandes partidários do êxodo. Elas, tias e primas, estavam à espera algures na fronteira entre Lisboa e os arrabaldes. Todos os membros da família já tinham mergulhado na corrente do êxodo, exceto eles: o pai Romão, a mãe Augusta e ele, João Miguel. Na serra ficaram apenas os avós, Eduarda e Manuel Correia Azul.