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Sacrifícios Humanos

Sinopse

Que imprudente, que louca, dirão, mas gostaria que me vissem sem documentos em outro país, contando e alisando as poucas notas para poder pagar o quarto e comprar um pão e um mísero café. Desespero e internet se juntam, cavalgam, dão à luz crias monstruosas, atrocidades. Nas páginas de busca de emprego, ia anotando todas as opções de trabalho que podiam oferecer a alguém como eu. Limpar, cuidar, cozinhar, lavar, costurar, vender, distribuir, classificar, coletar, empilhar, reabastecer, cultivar, atender, vigiar. Eu ligava e, no mesmo instante, me perguntavam por meus documentos. — Meu visto de residência está para sair. — Ligue para nós quando estiver com ele. — Seus documentos estão em ordem? — Ainda não. — Aqui não empregamos ilegais. Era assim todos os dias. A angústia me subia pelo peito como uma criatura negra, gelada, rangente, com ferrões. Vocês conhecem esse animal? É difícil explicar como ele faz um ninho em suas costas. É como morrer e permanecer vivo. É como tentar respirar debaixo d’água. É como ser amaldiçoada. Nessas circunstâncias, escrever é a coisa mais inútil do mundo. É um conhecimento ridículo, um fardo, um fingimento. Escriturária estrangeira de um mundo que a odeia. Uma tarde, depois de responder a não sei quantos anúncios me oferecendo como cuidadora, babá, faxineira, cozinheira, e ouvir que sem documentos não seria possível, que não empregavam ilegais, resolvi publicar uma coisa ridícula. Você acha que sua história vale um livro, mas não sabe como contá-la? Ligue para mim! Vou escrever sua vida! Não achei que aquela mensagem, com seus pontos de exclamação, fosse do interesse de ninguém. Porém, na mesma hora meu telefone tocou. Número desconhecido. — Tenho uma história que o mundo deveria conhecer. Chamava-se Alberto. Disse que morava numa cidadezinha do Norte, que pagaria o que eu pedisse, que não poderia me dar mais detalhes pelo telefone e que eu teria de viajar no dia seguinte se estivesse interessada no trabalho. Depois de um silêncio que ninguém rompeu, pedi muito dinheiro porque aquela voz me assustava, porque eu teria de atravessar um país que não conhecia e porque pensei que pagar aquela quantia a uma desconhecida, uma estrangeira desconhecida, o faria desistir. — Vou te enviar um sinal agora mesmo. O fato de ele ter parado de me tratar formalmente me assustou. Há uma familiaridade que os homens mais velhos às vezes adotam e que você não sabe se é porque te veem como uma filha boba, ou porque querem pôr as mãos em você, ou por ambas as coisas.