d Livros apps

João do Rio Vida Paixão e obra

Sinopse

o contrário de outros autores, acredito que uma boa biografia, além de não ter pudores sobre a vida pessoal do biografado, não pode também prescindir da análise da sua obra. Alguns dos melhores trabalhos biográficos que conheço — Oscar Wilde por Richard Ellman, Jean Genet por Edmund White, William Burroughs por Ted Morgan, Proust por George Painter, e ainda Noel Rosa por Carlos Didier e João Máximo, ou Lima Barreto por Francisco Assis Barbosa — seguem essa diretriz, a meu ver a mais objetiva. Essa conjunção entre autor e obra é ainda mais evidente na extensa bibliografia de Paulo Barreto (João do Rio), que escreve na primeira pessoa mesmo quando se esconde atrás de mais de dez pseudônimos ou recorre ao velho artifício do narrador indireto. Uma biografia desse autor abrange necessariamente não apenas sua obra cintilante e sua vida pessoal nebulosa, mas também os tempos em que viveu. Nascido no final do Segundo Reinado, assistiu quando menino à Abolição e à proclamação da República, tão desejadas por seus familiares. Saindo da adolescência, testemunhou as reformas urbanas radicais que transformaram o Rio de Janeiro de uma cidade colonial portuguesa nos trópicos na afrancesada metrópole da nossa tardia belle époque. Adulto, sucumbiu ainda jovem nos duelos ideológicos extremados surgidos depois da Primeira Guerra Mundial. Paulo Barreto tudo viu e ouviu, presente nos lugares mais díspares: elegantes recepções no Palácio do Catete, bombardeios durante a Intentona Monarquista em Lisboa, roda de samba numa favela no Largo da Carioca, Cascatinha da Tijuca ao luar com Isadora Duncan... Além da ausência de descendentes ou contemporâneos vivos, quando iniciei minha pesquisa dois obstáculos logo se levantaram contra as minhas pretensões. Em primeiro lugar, apenas um terço da obra de João do Rio tinha sido publicada em livro, estando a maioria esparsa em jornais e revistas. Para começar, tive de fazer o levantamento desse material (cerca de 2.500 textos entre contos, crônicas, peças de teatro e reportagens), o que me consumiu cerca de dois anos (1989-1991). Estabeleci então um catálogo bibliográfico, publicado em 1993 pela Coleção Carioca da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, condição sine qua non para decifrar o autor. A falta de uma cronologia consolidada levou o biógrafo anterior, Raimundo Magalhães Júnior, a cometer involuntariamente uma série de equívocos.